As interfaces estão ficando mais complexas e a tecnologia assistiva cada vez mais potente. Será que devemos abrir mão de um recurso tão simples? Vou explicar neste artigo por que não devemos abandonar o “salto para conteúdo”.
A ideia desse post surgiu depois de acompanhar uma discussão em uma lista do W3C internacional sobre o uso do recurso “salto para conteúdo”. A discussão vai muito além do que aponto nesse artigo, então recomendo a leitura da thread na lista de discussão.
Introdução
Para quem não está familiarizado, o salto para conteúdo é um recurso simples que adicionamos no início da página para permitir que os primeiros elementos interativos sejam links para o conteúdo principal da página. Quem navega por teclado, usando a tecla “tab”, vai ser apresentado a navegação nos primeiros toques. Tecnicamente é apenas um link para um identificador único da página. Aqui tem um tutorial bem completo sobre como fazer.
<a href="#content">Saltar para o conteúdo</a>
...
<section id="content">Início do conteúdo principal
Esse já é um bom motivo para considerar seu uso, afinal, é um recurso que demanda pouco código e pode ficar escondido da interface padrão (sendo exibido quando o usuário faz o foco por teclado).
Ela é apontada como uma das técnicas suficientes para atender o critério 2.4.1 (Saltar blocos – nível A) do WCAG.
Necessidade de uso
O uso desse recurso beneficia usuários que navegam pelo computador, como pessoas com deficiências visuais (cegueira ou baixa visão) que utilizam um leitor de tela. Também beneficia pessoas com limitações motoras que usam o computador e navegam pelo teclado.
Uma das discussões em torno do “salto para conteúdo” é que existem outras técnicas que permitem vasculhar a página, como o uso de cabeçalhos e marcações específicas (que permitem a navegação por atalhos em leitores de tela). Leva-se em consideração também o grande uso de smartphones para navegação, já que pessoas com mobilidade reduzida também se beneficiam com a interface touch.
A última pesquisa da WebAim com usuários de leitores de tela apresenta diversos resultados interessantes. Um deles é sobre a pergunta “Ao tentar encontrar informações em uma página web extensa, qual das seguintes opções você provavelmente fará primeiro?”. O resultado está na tabela a seguir:
Resposta | número de respondentes | percentual de respondentes |
---|---|---|
Navegar pelos cabeçalhos da página | 1082 | 71.6% |
Ler a página | 96 | 6.4% |
Usar o recurso de busca | 205 | 13.6% |
Navegar pelos links da página | 72 | 4.8% |
Navegar pelas áreas/regiões da página | 56 | 3.7% |
Claro que a pergunta não está diretamente relacionada ao salto para conteúdo e poucas pessoas navegam pelos links da página. Porém, quando perguntaram sobre os itens mais problemáticos de uma página, a falta do salto para conteúdo aparece em 12º lugar.
Mas se as pesquisas mostram que poucas pessoas usam, por que manter esse recurso?
A complexidade da Web
No dia 29 de fevereiro de 2024, Jacob Nielsen publicou um artigo chamado “Accessibility Has Failed: Try Generative UI = Individualized UX“. Ainda vou fazer um post sobre esse link pois ele vai a fundo em questões essenciais da acessibilidade. O ponto que quero trazer desse artigo está logo nos primeiros parágrafos, quando ele diz:
“Os computadores ainda são difíceis, lentos e desagradáveis para usuários com deficiência, apesar de cerca de 30 anos de tentativas” (tradução livre).
Jakob Nielsen
Ele tem razão. As interfaces estão ficando cada vez mais complexas e ficam ainda mais difíceis de operar quando consideramos o acesso de pessoas com deficiência.
Quando converso com meus amigos que usam leitores de tela sei que eles usam pouco ou nem usam esse recurso de saltar conteúdo, pois são pessoas experiêntes e tem muita familiaridade com o dispositivo, com o software leitor de tela e com a Web. Aquela mesma pesquisa da WebAim que mostrei os números no início desse artigo foi respondida na sua maioria por pessoas com conhecimento intermediário/avançado em leitores de tela e com conhecimento intermediário/avançado no uso da internet. As pessoas que navegam pelos cabeçalhos da página já tem um conhecimento avançado dos recursos dessas tecnologias.
Agora, pense em uma pessoa adulta que acabou de receber o diagnóstico de cegueira depois de anos utilizando interfaces visuais. Isso é mais comum do que imaginamos. Existem diversas pesquisas na área, mas destaco a que aponta que 4 entre 10 adultos americanos tem alto risco de perder a visão (pesquisa de 2017). Mesmo alguém experiente na navegação vai levar um tempo para se familiarizar com sua nova forma de acessar conteúdo. Mais um bom motivo para manter o salto para conteúdo.
Trazendo para a inclusão digital de jovens cegos, o recurso também traz uma grande segurança para o usuário. Entrar em uma página desconhecida e saber que o primeiro link leva para o conteúdo importante da página é algo que pode dar conforto ao usuário.
Conclusão
Utilizar o recurso de “salto para conteúdo” beneficia usuários com deficiênca, principalmente aqueles que ainda estão se familiarizando com o uso de leitores de tela. Também é muito útil para pessoas com limitações motoras que utilizam um computador.
O recurso é simples de ser implementado, pode ficar escondido e não pesa praticamente nada na página. O código do link apresentado na introdução acrescenta aproximadamente 45 cararteres em cada página.
Para encerrar, trago uma frase daquela lista de discussão do W3C que resume bem o que descrevi na última parte deste artigo:
“Muitos esquecem que existem seres humanos individuais com experiências de vida únicas por trás de qualquer tecnologia em questão” (tradução livre)